terça-feira, 23 de novembro de 2010

VIVÊNCIAS NA ROÇA * NOITE !


VIVÊNCIAS NA ROÇA * NOITE (Sergio de Carvalho) 23/11/2010

Nos primeiros anos de vida no sitio, quando nele fui morar em 1980, não havia luz elétrica, nem telefone (internet e celular então nem pensar !).
Imediatamente quando a noite baixava o seu manto, acendia o lampião a querosene ou alguma vela para iluminar a casa.
Nada de televisão ou computador ligados....(será que alguém atualmente na cidade consegue viver ou imaginar-se sem essas coisas ?).
Antes da formação da comunidade alternativa e da afluência dos amigos, experimentei momentos totalmente eremiticos na montanha, cheguei a passar algumas noites sem ninguém para conversar.
Nestas ocasiões, os passatempos noturnos eram basicamente os mesmos e direcionados para a criação artistica, para uma boa leitura, para os prazeres do paladar e para a contemplação das maravilhas da floresta seja da janela do meu quarto ou diretamente ao ar livre.
Munido de criativa simplicidade adentrava a cozinha para um gostoso e nutritivo lanchinho bem natural.
Chá de capim limão ou alguma outra erva medicinal preparado no tradicional e rústico fogão a lenha.
Pão integral, frutas e mel produzidos no próprio sitio faziam a minha alegria gastronômica.
Feliz e satisfeito com o modesto banquete, começava então admirar aquele céu coalhado de estrelas.
A sensação era de êxtase transcendental. A mente viajava longe fitando o infinito !
As noites de lua cheia eram as preferidas, onde a mata ficava literalmente toda prateada e tão exposta pela luminosidade intensa, que conseguia ver e ouvir os animais silvestres eufóricos perambulando pelos caminhos ou em cima das arvores.
A ausência de barulhos urbanos era total.
A sinfonia da floresta reinava absoluta, com seus incontáveis cânticos, pios, chiados, assovios, estalidos e muitos outros barulhos estranhos típicos daquela natureza encantada.
E por falar em encantos, lembro de um mistério que ainda hoje acontece nas montanhas de Vargem Grande.
Trata-se de um fenômeno que os matutos (possuidores de uma imaginação fertilíssima), chamam de “Mãe do Ouro”, que segundo eles vem a ser uma espécie de bola de fogo que aparece principalmente na beira dos caminhos, riachos e cachoeiras ou mesmo no interior da floresta e até na copa das arvores... os relatos são muitos principalmente entre os tais nativos e moradores da roça.
Confesso que nunca me deparei com a tal “Mãe do Ouro”, porem certa vez cheguei a testemunhar junto com alguns amigos da cidade, um fato intrigante. Era um domingo por volta das 7 da noite, voltávamos de um Congresso de Apicultura no Riocentro, e como chovia torrencialmente, o Jeep não conseguiu subir a estrada íngreme e escorregadia do sitio, o jeito fui subirmos a montanha a pé.
Já bem próximos do nosso destino, eis que derrepente notamos uma luz bem forte e sem oscilações, tipo um farol de carro, brilhando imóvel no alto da mata. Paramos todos para ficar ali estupefatos olhando e especulando sobre a origem daquela luz, sem uma resposta racional convincente. Após uns 5 minutos reflexivos e já ensopados pelo temporal, resolvemos seguir em frente, sem qualquer pista ou conclusão sobre o significado daquele enigma, a não ser lembrarmos do velho Shakespeare quando afirmou: “Existem mais mistérios entre o céu e a terra do que possa supor a nossa vã filosofia”.
Recebi também algumas vezes no sitio, grupos de estudos e pesquisas ufológicas que em vigília ficavam na varanda em frente a casa, durante toda noite olhando para o céu, na esperança de flagrarem algum habitante desconhecido passeando pelo Cosmos com sua Espaçonave...certa vez altas horas da madrugada, até bateram na janela do meu quarto me chamando para ver a aparição de um suposto OVNI...minha resposta foi imediata:
Me deixem dormir, não quero saber desse negocio de disco voador, que amanhã preciso levantar cedo para cortar capim e cuidar das cabras e da horta!!!!
O fato é que não me ligava muito nos aspectos sobrenaturais da noite na floresta, ao invés de discos voadores, fadas, gnomos, fantasmas e seres do folclore tupiniquim, preferia a poesia e inspiração que a noite proporcionava.
Assim motivado aproveitava para tocar meu violão, compor e escrever letras de musicas ou simplesmente ficar ali apreciando o pisca-pisca dos incansáveis e graciosos vagalumes e tentando adivinhar qual criatura estaria produzindo tal ou qual sonoridade oriunda daquela exuberante mata atlântica.
O que alias, após anos de atentas observações, me fez conhecer e identificar com exatidão o som de gambás, corujas, morcegos, sapos, pererecas, grilos, bacuraus, guaxinins, jaguatiricas e várias outras criaturas que assim como eu elegeram a floresta como lar e palco para se apresentar.
...e a saga ainda continua !

2 comentários:

  1. Excelente idéia esta de postar suas experiências de vida em um blog. Parabéns!
    Fiquei entusiasmada com a continuidade da saga. E, certamente, mais convicta de que "a consciência do ser social e político pressupõe a percepção do ser natural".
    Gd bj e mais uma vez, parabéns!

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  2. Que lindas as lembranças desses sons, Sérgio! Além dons sons das matas e seus habitantes sagrados, ainda tinha o som noturno da rede, que do lado de fora da casa, ainda acolhia quem chegava fora de hora fazendo o imaginário dos que estavam do lado de dentro, criar fantasias, medos e outros sons com batidas descompassadas no coração.

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