quarta-feira, 10 de novembro de 2010


VIVÊNCIAS NA ROÇA (Sergio de Carvalho)

Meados dos anos 80, são 5 da matina no Sitio Sagrado Coração de Jesus em plena Mata Atlântica bem no alto de uma montanha chamada de Toca Grande na região de Vargem Grande, zona oeste do Rio de Janeiro.
O galo cantou, anunciando o dia nascente com o resplendor do sol a despontar no horizonte por traz das montanhas. Levanto abro a janela do quarto e volto a ficar deitado mais um pouco na cama, apreciando o festival de luzes e belas imagens de uma paisagem exuberante tal como num quadro de Van Gogh , bem ali diante de meu olhar embevecido.
Após esta inspiradora contemplação matutina do astro rei acendendo com sua luz o colorido da floresta, tomo um banho frio para espantar o resto de sono, como alguma fruta com cereal integral , coloco as roupas surradas da minha lida diária na roça, calço a tradicional bota de borracha e ferramentas em punho caminho em direção ao dever que me chama no campo.
Começo as atividades do dia pelo Capril, levando o capim cortado e a ração para alimentar os animais e depois lentamente ir fazendo a ordenha das cabras, um trabalho que exige muita higiene e paciência, por se tratar de um produto delicado proveniente de um animal por natureza bastante irrequieto. Com o recipiente cheio volto para casa para coar, pasteurizar e ensacar o leite que será destinado basicamente a mães aflitas que não puderam amamentar e que possuem filhos recém-nascidos alérgicos ao leite de vaca ...alias, comecei a criação de cabras leiteiras, justamente em função do Francisco meu filho que desde 1 ano de idade precisou e foi alimentado por um bom tempo com o leite a principio de uma única cabrinha que recebia tratamento vip, com direito a capim fresquinho, bananas, farelo de trigo, soja, milho, água da fonte e muito espaço para correr.
Logo vieram outras cabras e a criação foi crescendo até virar um empreendimento modestamente lucrativo. A indústria de laticínios ainda nem cogitava a fabricação do leite de cabra em pó e sua venda em Supermercados, o que estimulava e favorecia a produção artesanal tipo"fundo de quintal" como a nossa.
Como naqueles tempos ainda não havia energia elétrica lá no alto da montanha, o resfriamento dos laticínios era feito através de uma geladeira (presente da minha saudosa mãe) movida a gás de cozinha, que funcionava perfeitamente .
Para ajudar no processo de melhorias no sitio, meu irmão Carlos, instalou um gerador a gasolina que abastecia a casa inteira nos momentos que era acionado especialmente a noite, porem com inconveniente da poluição causada pelo barulho e fumaça...logo esse método foi descartado. Depois ele “inventou” um recurso tecnológico mais barato e ecologicamente correto com uma roda movida a água da nascente que descia da serra, a qual alimentava um alternador de carro ligado a uma bateria que nos fornecia luz elétrica de 12 volts, o suficiente para acender lâmpadas e alguns pequenos eletrodomésticos adaptados para tal.
Ainda no frescor daquelas manhãs ensolaradas, a hortinha ao lado da casa, começava também a ser regada e tratada. As ervas daninhas eram arrancadas com cuidado enquanto a terra ia sendo afofada e adubada com composto orgânico que iria nutrir dezenas de mudinhas de alface , couve, cenoura, cebolinha, nabo, rabanete, tomate e o que mais se pudesse cultivar naqueles poucos canteiros cercados com pedras.
A área da roça era bem maior e o trabalho também bem mais pesado e cansativo, pois exigia roçadas e capinas constantes para controlar o mato que crescia mais rápido que o milho, abóbora feijão e a mandioca plantadas no mesmo local.
Em área isolada e protegida ficava o apiário, esta sim a atividade mais importante economicamente desenvolvida no sitio. Mel, Própolis, Cêra...tudo que as abelhas produziam era rapidamente consumido por uma clientela fiel e ávida por aqueles produtos.
Ganhei muitas e dolorosas ferroadas, mas ainda assim compensava e era gratificante, pois alem do puríssimo, nutritivo, saudável e saboroso mel , as abelhas faziam o incansável trabalho de polinização das plantas, o que aumentava sensivelmente a produção de frutas na região....a saga continua nos próximos capítulos !

Um comentário:

  1. Adorei... senti como se estivesse lá. Como deve ter sido maravilhosa esse experiência de contato íntimo com a natureza! Um presente de Deus! Obrigada.

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